Depois que Noel Rosa e Assis Valente escreveram “Três Apitos”1 (1933), considerada um paradigma da MPB, o sentido de APITO nunca mais foi o mesmo.
Tanto é que as fábricas determinavam o tempo dos operários (de trabalho e de descanso) pelo apito. A igreja determinava o tempo dos ritos pelos sinos (neste caso, estou fazendo uma livre associação ao som). O juiz de futebol, adverte os jogadores pelo som do apito. Os torcedores celebram um gol com vários apitos (quem não se lembra da vuvuzela).
E se considerarmos o apito como ferramenta propulsora de sinais e, por extensão, de comunicação, podemos pensá-lo como instrumento dentro de uma cultura e que, por isso mesmo, é interpretado e consumido, não apenas pela sua funcionalidade (uso), mas também pela sua representação (símbolismo). Neste sentido, mais do que uma fábrica apitando para indicar a entrada ou a saída dos operários, demarca um tempo e um espaço onde se desenvolve as relações sociais. Hoje, essa imagem está muito distante do que vivenciamos com a tecnologia.
Poscher (1997) nos ajuda a pensar essas mudanças quando afirma que os artefatos de uma cultura desempenham um papel e um significado através de sua aparência exterior. Ele é um conjunto de códigos aplicados por determinada sociedade.
E foi justamente o manejo desses códigos que fez com que o apito, agora diferenciado pela cor rosa, ganhasse novamente notoriedade. Saiu das fábricas, dos estádios de futebol e foi para as mãos das mulheres como símbolo de protesto contra o assédio sexual nos transportes públicos brasileiros.
Nas palavras da advogada Rosana Chiavasa, presidente da ASAS (Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas do Estado de São Paulo): “transformamos o apito, um brinquedo de criança, em um instrumento de defesa das mulheres”. Se o assédio começar, o apito vai soar! Esse é o slogan da campanha que utiliza como símbolo o apito na cor rosa. Muito diferente do apito da fábrica de tecidos que feriam os ouvidos, hoje o som é um verdadeiro sinal de mudança na condição feminina.